Voluntariando no Haiti

by - sexta-feira, janeiro 19, 2018

Olá, gente! Hoje vou compartilhar com vocês a experiência de ter sido voluntária em um dos países mais atingidos por desastres naturais e miseráveis do mundo. Espero que gostem e sirva como aprendizado de vida, assim como foi para mim :)

No interior do Haiti em uma tarde miuto agradável com as crianças da comunidade

De onde veio a ideia de viajar para o Haiti?

Tenho orgulho de falar sobre esse país, que mudou muito a minha vida. Já tinha feito trabalho voluntário fora do Brasil, no Peru, mas foi uma experiência totalmente diferente. Estava procurando um lugar para curtir as minhas férias de julho de 2016 e decidi que queria fazer algo que pudesse, além de e divertir, ajudar também, que pudesse viver alguma coisa nova, algo me trouxesse aprendizado. 

Pra quem não sabe, estou terminando a faculdade de Relações Internacionais, e na época conheci uma garota do Paraná que estudava no mesmo lugar e levava voluntários para o Haiti todos os anos. Fui convidada e resolvi abraçar a ideia.

A princípio tinha escolhido voluntariar na Venezuela, mas estudei a possibilidade e achei que o Haiti podia me render uma grande experiência de vida. Envolvia um trabalho com crianças, e eu sou apaixonada por crianças. Fomos em 13 voluntários do Paraná e São Paulo, incluindo estudantes de medicina, nutrição, engenharia, direito, etc.

Preparativos e os motivos que quasem fizeram com que eu desistisse

Quando abracei a ideia foi meio na loucura. Sabia que o país não tinha energia elétrica, água encanada, saúde pública e nem coleta de lixo, mas não imaginava que era dez vezes pior do que isso. A coordenadora era de Curitiba e fez somente uma reunião comigo e com a menina que também era de São Paulo. A falta de informação e organização dificultou muito, a ponto de quase desistir da viagem. Não davam orientação do que levar, de quais projetos realizaríamos, da possibilidade de levar um projeto próprio (nunca fui avisada disso, fiquei sabendo quando já estava lá), demorava mais de uma semana pra responder em mensagens (quando respondiam) pelo whatssap. Tudo errado, uma bagunça sem fim, mas mesmo assim resolvi não desisti e encarei com a cara e a coragem. 

Lá, na prática, também tivemos problemas graves com falta de organização, inexperiência por falta das coordenadoras, então todos que perguntam se eu recomendo digo que não, que se a pessoa está afim de ir é melhorar viajar por conta ou procurar outra ONG.

Quanto custou essa viagem?

Muita gente me pergunta se alguém "banca" meus trabalhos voluntários. Não, ninguém banca. Pelo fato de ter muitos contatos, experiência na área, etc, muitas vezes consigo algumas facilidades ou até mesmo formas mais baratas para que meu roteiro não ultrapasse o que realmente cabe no meu bolso, mas não tenho patrocínio (nem nunca procurei) , tudo que fáco são das minhas economias, do trabalho remunerado que realizo no Brasil e da minha força de vontade de ajudar o próximo.

Nessa viagem gastei com a passagem e paguei a outra parte para essa coordenadora que incluía as hospedagens dos lugares que fiquei, a comida e uma parte que sobrasse seria comprado materiais pra realização dos trabalhos e outros gastos extras. Não foi muito dinheiro, se tivesse feito tudo por conta sairia bem mais caro, mas a coordenadora fez um tipo de um pacote pra todo mundo e ficamos em casas de conhecidos dela.

Lá mesmo não gastei praticamente nada porque praticamente não fizemos turismo, era de casa para o trabalho e vice-versa.

A viagem


 Algumas coisinhas não podem faltar


Será que levei muitas malas?


Para chegar ao Haiti descemos  em Santo domingo, na República Dominicana (clique aqui para saberem como aproveitei os quatro dias que estive por lá)., encontramos todo o grupo para seguir viagem de ônibus para o Haiti. 

Meu voo fez escala na Colômbia e de lá tomei outro voo para SD. Esse segundo tive a sorte que uma mulher pediu pra que eu sentasse no lugar dela para ela estar do lado do marido e o assento dela era na classe executiva. Fui tomando champagne e  comi tudo do bom e do melhor sem pagar (rs)! Haja sorte!



Desfrutando da primeira classe


Passei um dia em Santo Domingo na ida e três na volta (aproveitei para turistar um pouco). Não conhecia ninguém do grupo. Algumas pessoas tive bastante afinidade, outras nenhuma. Alguns voluntários são meus amigos até hoje. Conviver 24 horas por dia com tanta gente diferente, variadas idades e estilos sem ao menos conhecer direito cada um não é uma tarefa fácil e exige uma paciência inacreditável, mas no final das contas tudo foi um grande aprendizado de vida. O jeito é engolir as diferenças e lembrar que estamos ali para um bem comum.


Nosso grupo de voluntários em SD prontos para viajar ao Haiti

A viagem de ônibus até o Haiti


Foi bem cansativa, porém são apenas sete horas. O calor é insuportável nos dois países e isso me desanimou bastante porque não gosto tanto de calor e a minha pressão ficava muito baixa, meu dias e as atividades que realizava rendiam muito menos que eu queria.

A parada nas duas fronteiras durou cerca de uma hora e não tivemos nenhum problema. Nossa primeira parada era Porto Príncipe, a capital.


 Fronteira


Um pouco sobre o Haiti

Toda animada até estrear esse saco de dormir e ver o quanto ele era péssimo (rs)

O Haiti foi a primeira república negra do mundo a declarar sua independência. O Haiti é o país mais pobre do hemisfério ocidental, com 80% de sua população vivendo na pobreza, com menos de US$ 2 por dia. Dois terços dos haitianos dependem do setor agrícola e são vulneráveis aos danos ocasionados por desastres naturais, agravados pelo desmatamento.

Situação das ruas da capital




O setor de produção de roupas representa dois terços das exportações do Haiti para os Estados Unidos. Além disso, o Haiti sofre com uma grande inflação, possui uma infra-estrutura limitada e um severo déficit comercial. O governo haitiano depende de ajuda internacional para seu sustento fiscal.
Além disso, enfrenta problemas com o tráfico de drogas. No Haiti, o narcotráfico corrompeu o sistema judicial e as forças policiais.


O Brasil foi o responsável pela organização das forças de paz na ilha. Quando estive lá ainda haviam brasileiros trabalhando. O objetivo era colaborar na reconstrução física e institucional haitiana com apoio nas áreas de segurança, de engenharia e saúde.



Ah, o Haiti é no Caribe, gente! Muitas pessoas têm dúvida, também já tive! Não sei exatamente o porquê as pessoas pensam que a ilha fica na África, talvez associam com a pobreza, cor da pele da população. Enfim, é uma ilha caribenha!

O idioma que falam por lá é o criollo e o francês (muita gente não fala porque nunca frequentou uma escola). 

A moeda é o Gourdes, mas pelo que vi não tem valor nenhum e a maioria dos lugares aceita o dólar.

Doações que recebemos no Brasil

Levamos para o Haiti muitas doações. Além do dinheiro que arrecadamos entre nós voluntários que conseguimos comprar os materiais para desenvolver as atividades com as crianças, conseguimos arrecadar roupas, escovas de dente, calçados, materiais de pintura e muitas outras coisas. Eu consegui a ajuda de um amigo que doou 30 camisetinhas. Cada um arrecadou de um lado e chegamos na ilha com bastante coisa. Parte do grupo fez um evento em Curitiba e também conseguiu arrecadar doações em dinheiro que ajudaram na hora de comprar os materiais para realizarmos as atividades propostas.


Criança de um dos orfanatos que trabalhamos com as blusinhas doadas pelo meu amigo

O trabalho

Apesar da tamanha desorganização, no final das contas conseguimos desenvolver praticamente tudo que tínhamos proposto no início da viagem. Propus reuniões diárias para programarmos o que seria feito no dia seguinte e funcionou bastante, melhorou a organização e passaram a dividir melhor as taredas.

Nosso trabalho era basicamente visitar alguns orfanatos já definidos e em cada um deles desenvolver determinadas ações. Passamos pela capital Porto Príncipe, pelo interior MountRouis e pela área de montanhas, Kenscoff. Vou contar separadamente como foi o trabalho em cada um:

Primeira parada- Porto Príncipe

Hospedagem

Ficamos hospedados na casa do casal Steve e Zhanna (amigos das nossas coordenadoras) alguns dias no começo da viagem e alguns nos últimos dias antes de voltar a Santo Domingo. Ele é haitiano e ela é russa. Eles vivem no local e fazem trabalho voluntário há alguns anos, realizam missões pelo Haiti e são integrantes de uma igreja. 

A casa era bem grande e tinha gerador de energia, coisa rara no país, praticamente só os "ricos" têm acesso. Apesar de ter energia elétrica, a água do chuveiro era gelada e muitas vezes a luz acabava. A alimentação era mais legalzinha porque eles cozinhavam para a gente, mas ficávamos o dia todo fora e levávamos lanches. Sempre pão com queijo, pão com salsicha. Eu não como carne e acabei voltando pra casa quase quatro quilos mais magra.


                                                       Zanna e Steve com a filha 


Por causa do calor o pessoal optou por colocar os colhões na sacada da casa, mas como haviam ratos passando por lá a noite toda preferi dormir no quarto (rs). Era tudo junto e misturado, mas haviam regras impostas pela coordenação: era proibido se relacionar, beber e outras coisinhas mais que nem lembro. Mas, o pessoal era muito tranquilo, algumas pessoas da igreja, casadas, não tivemos nenhum problema. 

O Banho tinha que ser rápido, nada de desperdício. Tomar banho gelado era bom porque era um calor do cão, mas ficar sem secador, chapinha, era difícil! No final das contas foi bom pra deixar um pouco as frescuras de lado. Unha, depilação? Nem lembrávamos o que era isso depois de alguns dias.

Cada um era responsável por lavar suas roupas sem amaciante e com pouca água

Vida noturna?

Jamais. Trabalho e cama. Não tem energia elétrica na rua, é um país super perigoso. Só teve um dia que a coordenadora programou uma folga e fizemos um pequeno turismo de carro onde pudemos ir em alguns pequenos pontos para comprar umas lembrancinhas durante o dia, nada mais que isso. Único lugar que íamos de vez em quando era no mercado, mas era tudo extremamente caro! Poucos têm acesso e conseguem fazer uma compra digna em um mercado de lá.


 Em uma das lojas de artesanato. Tudo caríssimo!

 Galeria que vende artesanatos

Mirante

Internet? Celular? Como se comunicar?

Compramos um chip do Haiti e colocávamos crédito. Mas, dava pra usar muito pouco, o dinheiro sumia em um, máximo dois dias. Tínhamos que deixar o celular em modo avião enquanto não usávamos. Para por crédito era caro, tudo caro. 

Para se comunicar com as pessoas na rua era um caos porque não falávamos nenhum dos dois idiomas, somente a coordenadora que arranhava um pouco o criollo, ajudava quando dava, mas também não fazia muita questão de nos ajudar (rs).

Tradutor

Tínhamos um tradutor, o Walex. Ele é haitiano, mas fala cinco idiomas, inclusive o português. Pessoa de muito bom coração, nos ensinava algumas palavras, traduzia quando necessário. Mas, é muito difícil um tradutor só para 13 voluntários. O jeito era fazer mímicas, desenhos, se virar (rs)!
Walex (de vermelho) sempre pronto a ajudar


Como foi o trabalho em Porto Príncipe

Nos primeiros dias focamos nosso trabalho em dois orfanatos. O primeiro deles foi o Orpheliant Especiale Coupe du Monde, que chamávamos de VUDU, porque os diretores tinham essa religião. Foi o orfanato mais precário em relação a higiene. Desenvolvemos alguns projetos com as trinta e poucas crianças que vivem no local. Por incrível que pareça, a maioria tem pai e mãe, mas as abandonam devido a falta de recursos para criá-las.


Sim, esse é o orfanato

Foi um choque tão grande quando entrei naquele lugar que não imaginava que era assim. Não tem banheiro e o poço secou (não tem água para banho e nem para beber), o esgoto está a céu aberto no meio do pátio e a situação deplorável desencadeou um surto de sarampo, catapora, rubéola e uma infestação de carrapatos. Todas as crianças tem algum tipo de problema, fazem as necessidades no meio do pátio e usam as mesmas roupas todos os dias.







Todas as crianças tomam banho com a mesma água

A maioria das camas não tinham colchão, a comida (quando tem) é feita a céu aberto. Vi

Vimos uma galinha sendo morta na frente das crianças durante um ritual de Vudu, que tristeza, passei até mal! Depois comeram a galinha no almoço. na maior naturalidade. Não tinha um dia que não saía de lá abalada, chorando. Na verdade, a maioria dos voluntários.

As crianças eram maravilhosas. Nos receberam vestidos com camisetinhas da seleção brasileira, cantaram pra gente. Nunca vi tanto amor e nunca recebi tanto amor. Amor verdadeiro de seres humanos com coração puro, que precisam de atenção e carinho.

Ouvi muitos comentários que esse orfanato maltrata as crianças. Além de presenciarem, disseram que elas são usadas nos rituais. Uma tristeza sem fim. Mal administrado, sem regras, sem fiscalização do governo, sem nada. Um lugar de ninguém.


 Meu chicletinho


Atividades

Desenvolvemos muitas atividades com esses pequenos. Muita recreação, brincadeiras, doamos roupas, desenvolvemos projeto de pintura, uma atividade fotográfica realizada por uma fotógrafa que estava com a gente (ela tirou fotos das crianças e fez um varal para que eles tivessem contato com fotografias pela primeira vez). 

Fizemos limpeza, pintamos algumas brincadeiras no chão (como a amarelinha), vermifugamos cada uma delas (tinha uma estudante de medicina no grupo). Enfim, passamos muitos dias legais, com direito a aulas de dança.

No último dia elas fizeram uma homenagem e cantaram pra gente. Muita emoção!







Desfile das meninas com vestidinhos que levamos das doações feitas no Brasil


Cada dia que ia embora pra “casa” meu coração apertava e já queria voltar. Parecia que conhecia aquelas crianças há anos! Muitos pediam para serem levadas ao Brasil, não desgrudavam da gente. 

Eles precisam de muito amor e me cortou o coração um dia ter que me despedir, ir embora em definitivo e não poder fazer nada mais para o futuro delas. Mas, não podemos pensar assim, quando realizamos um trabalho voluntário temos que ter em mente que estávamos fazendo a nossa parte, o quanto a gente pode. Se cada um fizer um pouquinho com certeza vai fazer toda a diferença.





Como nos preveníamos das possíveis doenças

Algumas pessoas perguntaram se tive que tomar alguma vacina. Não tomei nenhuma, não pediram. Já tinha tomado a da febre amarela e tomei vermífogo quando voltei. A gente até tenta, mas não tem como evitar o contato próximo com as crianças. Elas beijam e abraçam o tempo todo e é muito bom, não dá pra negar. Nesse ponto acho que acabamos contando com a sorte.


Divisão de tarefas e atividade no segundo orfanato

Divídiamos as tarefas para que ficasse mais organizado, mas cada um tinha a liberdade de brincar com as crianças, fazer o que quiser. Quando tinha alguma atividade específica todos os voluntários focavam nela. 

Cada um liderava uma atividade. Algumas pessoas levaram projetos próprios, tudo que seria desenvolvido era programado no dia anterior. Os materiais também eram separados antes de sairmos para o trabalho (levávamos corda, bola, doações,  materiais de desenho e pintura, etc)



 Crianças fazendo a oração antes do almoço. Essa parte laranja é um pouquinho de carne que eles comem por dia (quando tem)


Nossa segunda parada foi no orfanato Rosalina Argentina (o dono é argentino). O espaço é enorme, abriga mais de 70 crianças. As condições de higiene eram um pouco melhores do que o primeiro que fomos, mas ainda não oferecia o básico. Quase ninguém ali conhece uma pasta de dente (quando têm escova fazem a higiene com água). Fraldas são raridades, então a maioria dos bebês fica sujo de fezes e urina e as pessoas que trabalham no local pouco se importam, acham tudo normal, já se acostumaram com a situação. Muitos dele tem febre, vários outros problemas, mas ninguém se preocupa com isso porque a saúde pública é inexistente no país.


 Bebezinha usando o vestido doado pelos voluntários




Guardei esse desenho feito por uma criança que o sonho dela é ter um orfanato

Nesse orfanato tinham deficientes em situação deplorável, sujos, sem nenhum cuidado. Encontrava três delas frequentemente no quarto isoladas, chorando, cortava meu coração! As crianças dividem as poucas roupas, a pouca comida, a pouca água...o pouco tudo! Mas, nunca deixam de sorrir. Como não sair desse lugar sendo uma pessoa melhor?

Nesse local desenvolvemos muitas atividades de pintura, futebol, corda, desfile para as meninas. Distribuímos escovas de dente, que depois de alguns minutos já estavam no chào, todas misturadas. Talvez porque nunca tiveram a oportunidade de terem algo pra chamares de SEU , não aprenderam e não têm ideia do que é isso. Compartilham tudo que tem, desde sempre.  Por isso, as escovas de dente também eram compartilhadas...

Limpeza é algo raro, penso que por desleixo mesmo, as coordenadoras não se importam com nada, mas acredito que por falta de água e de recursos para comprar produtos também. Eles acabam se acostumando com a sujeira e se torna algo natural.



Visita do exército das Nações Unidas 





Foi nesse orfanato que conheci um grupo da MINUSTAH (missão de paz da ONU integrada por brasileiros) que foram fazer uma visita no local. Fiz uma boa amizade com um deles que me indicou para um curso muito bacana sobre missões de paz. Acabei indo ao Rio de Janeiro por uma semana  no mês de setembro de 2016 para participar. Foi incrível.



Momentos emocionantes, tristes, mas conseguimos arrancar sorrisos dessas crianças tão sofridas e carentes. Missão cumprida mais uma vez.

Segunda parada: Interior do Haiti

A caminho de Montrouis

Outra parte do nosso trabalho foi no interior da ilha. Vou aproveitar para falar sobre o nosso transporte. Tanto pela capital do Haiti, quanto para outras viagens, usávamos o famoso Tap-Tap, que é um tipo de um táxi compartilhado usado como meio de transporte no país. Alguns deles são decorados (vi até pintura do rosto do Neymar) e super desconfortáveis.

As ruas não são muito boas, o calor infernal e as costas doem demais. Imagina para chegar ao interior que foram mais de duas horas de viagem.


 A caminho do interior. O Haiti é lindo, sim! É Caribe!

 Espremidos dentro de um Tap-Tap

Dá pra imaginar que é uma foto no Haiti?





Hospedagem no interior

Ficamos hospedados na casa da família do Judge, um haitiano que vive nos Estados Unidos, tem uma ótima vida e hoje ajuda muito a família e a comunidade onde ele nasceu.

Essa cidade tem muitos resorts famosos e é um destino bem procurado por turistas, porém tem uma comunidade muito humilde que não tem sequer energia elétrica. Onde permanecemos por cerca de cinco dias não tinha (apenas uma placa solar comprada pelo Judge que carregávamos o celular por uma hora e meia por dia). Nada de geladeira, nada de ventilador. A noite o calor passava de 30 graus e dormíamos todos em um quarto pequeno. 

A maioria dos voluntários teve algum problema durante a viagem. Pressão baixa, tontura, dor de barriga, virose e cansaço eram alguns dos nossos problemas. Não dava pra descansar e eu praticamente não dormi. Bichos passando do nosso lado, lençóis que cheiravam mal. 

Se foi difícil pra gente, como será pra essas pessoas que enfrentam isso todos os dias?


 A casa que ficamos hospedados

Já bem mais magra tirando uma selfie do quarto onde ficaram hospedados todos os voluntários

Eu e o Judge

Banho de canequinha com as águas de tambores, baldes para lavarmos a louça. O vaso sanitário existia, mas a descarga não. Tudo muito precário. Comida cozinhada no chão e comíamos somente alimentos que não estragavam, já que geladeira não tinha. 

Chegou uma hora que ninguém aguentava mais comer pão com salchicha, tomar água quente, realmente não era fácil. Nessa altura já estávamos chegando no limite.


 Assim  que lavávamos a louça

 Pia improvisada para escovar os dentes e lavar as mãos

 Nossas refeições eram preparadas assim

 Quase uma haitiana



Como não voltar agradecendo a Deus cada vez que ligamos o chuveiro? Não dava valor pra isso, hoje eu dou.


Construção da escola 

Nosso trabalho no interior também consistia em auxiliar na construção de uma escola para a comunidade. O projeto foi financiado pelo Judge. Nós, oferecemos nosso trabalho e passamos alguns dias ajudando na construção (carregando blocos de concreto, fazendo serviço pesado). 

Qualquer trabalho no Haiti exigia demais de cada uma de nós porque o calor era insuportável. Uma das coisas que atrapalhou bastante meu desempenho foi esse clima, que deixava a minha pressão no pé e não tinha forças para realizar algumas atividades pesadas. Hoje, a escola está pronta. :)



Outras atividades com a comunidade

Além das doações de roupas, calçados, oficinas de pintura e tudo o que já citei anteriormente, fizemos atividades de higiene pessoal. Ensinamos como escovar os dentes corretamente e lavar as mãos, passo a passo. Era tudo muito legal porque as crianças haitianas são muito receptivas, aceitaram fazer tudo que propuzemos com a maior boa vontade.






Fomos muito bem acolhidos pelos parentes do Judge, todos humildes, gente do bem. Foi a parte mais difícil da viagem em que todos já estavam exaustos, mas foi bem produtivo. 

Voltamos para Porto Principe e logo partimos para as montanhas. Abaixo algumas fotos de uma tarde de folga no interior. Conhecemos uma das praias da região.





Terceira parada: Kenscoff

Viajando para a área de montanhas


Chegamos na cidade, descansamos um pouco e no outro dia partimos para a área de montanhas. Fomos de Tap-Tap até onde passam carros e a outra parte da subida tivemos que optar entre caminhar e ir de moto.

Me aventurando de moto

Optei pela moto, estava super cansada e adoro uma aventura, claro. Boa parte do grupo caminhou mais de uma hora e meia. 

A viagem de moto foi bem arriscada. Moto velha, pneus careca, três em cada moto e tenho certeza que o piloto não tinha CNH (rs)! Aliás, nem sei se isso existe no Haiti. O trânsito é caótico (não tem energia elétrica consequentemente não tem faróis, radares, etc). As pessoas brigam, se batem, se xingam nas ruas. Gritam e buzinam o tempo todo. Pensa em um caos!



Descemos da moto e ainda rolou uma caminhadinha de dez minutos

Para subirmos até as montanhas não tinha trânsito, mas o perigo era maior ainda. Estradas de terra cheias de pedra, beirando precipícios, com malas nas costas, três em um veículo só (quase caindo), o piloto que corria como um louco. Sério, não sei como sobrevivemos. Foi engraçado, uma aventura louca, mas não posso negar que em alguns momentos pensei que não sairia viva. 

A volta também foi de moto...rs

Hospedagem

Os dias que permanecemos nas montanhas dormimos em uma igreja. A coordenadora já tinha o contato da pessoa responsável que nos cedeu o espaço. Levamos saco de dormir e dormimos no chão, nos bancos, cada um encontrava um jeito de se acomodar. Já adianto para quem for utilizar saco de dormir em uma viagem não seja mesquinho como eu e compre um que presta. Quis pagar super barato no meu e parecia que estava deitava em uma folha de papel. Me arrependi demais (rs), tanto é que deixei por lá mesmo, nem trouxe pra casa.
 Nosso banheiro


A vida nas montanhas

A comunidade que vive no local é super humilde. Algumas crianças ficaram em choque porque nunca tinham tido contato com pessoas da pele branca. Nos olhavam como se fôssemos de outro planeta. São pessoas muito receptivas, carentes, que vivem sem energia elétrica, sem internet, sem água encanada e muitas delas nem conhecem a cidade. A maioria sobrevive da caça.







Alguns homens trabalham com suas motos, fazem das mesmas táxis e cobram dos moradores. Não consegui muitas informações da vida dessas pessoas, a comunicação era muito difícil e nossas coordenadoras não tinham muitas informações, mas ficou bem claro que falta o básico, só amor nunca falta naquele lugar.


 Na porta da igreja que foi nossa casa por uns dias


 Igreja onde ficamos hospedados





Atividades

Passávamos o dia com as crianças, desenvolvemos várias atividades e levamos muitas doações. Como essas pessoas vivem nas montanhas fica difícil para ter acesso até mesmo para comprar uma roupa. Foram dias incríveis. Acordávamos cedo e dormíamos assim que escurecia. Não tinha luz, não tinha gerador. Ficamos em comunicação, apenas com o restinho de bateria que trouxemos da cidade até que ela acabasse. 

A viagem estava maravilhosa, mas nossos corpos estavam moídos, mais de duas semanas sem dormir direito, enfrentando um calor absurdo, trabalhando de segunda a segunda. Dizem que cada dia no Haiti é tão intenso que parecem quatro. É a pura verdade, só vivendo para acreditar.

Como as pessoas conseguem viver assim? Qual será o futuro deles? Penso nisso até hoje, quase todos os dias.





Voltamos para Porto Príncipe, na casa do Steve. E seguimos nosso trabalho em outro orfanato.

De volta a cidade- Último orfanato

Chegamos mortos, mas ainda tínhamos uma missão, desenvolver um trabalho intenso no orfanato Bless a Child. Foi o local escolhido para passar mais dias e fazer mais atividades. Ali também investimos aquele dinheiro que sobrou do que pagamos no começo da viagem e conseguimos comprar muitas coisas úteis para os pequenos.






Situação do orfanato

Segundo a coordenadora Marirose, que mora no orfanato até hoje, é um haitiano que vive em Miami que mantém o Bless. Ele envia apenas 100 dólares por mês para sustentar cerca de doze crianças. Ou seja, não dá pra nada. O salário da Marirose? Oitenta dólares por mês.

Emm uma das nossas conversas a coordenadora disse que não recebia nadinha há oito meses. Afirmou que não sai do emprego porque tem muito amor pelas crianças, mas acredito que nem ela tenha pra onde ir.

 Banheiro do orfanato

 Fogão, onde as refeições são preparadas

 Utensílios usados para fazer a comida deles



 Garrafas plásticas são usadas como copos no dia a dia dos pequenos

Cozinha do orfanato

Quando chegamos vimos que muitas camas não tinham colchões, a pintura estava horrível, lixo acumulado no quintal (queimavam o lixo ali mesmo), poço quebrado e comida quase não tinha. Visitei a dispensa e só vi pacotes de milho, mais nada. Alguns dias eles só comiam isso mesmo. Faziam uma papa de milho com água ou leite (quando tinha) e nada mais que isso. Crianças desnutridas, carentes, tudo muito difícil e o pior, sem expectativa de alguma mudança. Mas, chegamos para tentar amenizar isso tudo, e na minha opinião conseguimos.

Um novo orfanato

Nesses dias de trabalho no Bless, conseguimos comprar tintas, fizemos um multirão e pintamos toda parte externa e interna da casa. Decoramos, fizemos desenhos, um mural de fotos das crianças. Em dois dias tiramos todo lixo acumulado no quintal.

Todas as crianças nos ajudaram e fizemos questão de conscientizar cada uma sobre a importância de ajudar e preservar o ambiente onde elas moram. Até uma plaquinha de boas maneiras foi pregada logo na sala do orfanato para que todas pudessem ler e praticar.

Vermifugamos todas, doamos calçados e roupas e conseguimos comprar alguns colchões. Fizemos reparos em algumas coisas quebradas. Todos os dias de trabalho eram muito divertidos, com muito bate papo, dança, futebol. Alegria nunca faltava. E bronca também, quando necessário (rs). Criança é sempre criança e adora aprontar.




 Antes

 Depois



Conseguimos montar kits escolares e entregamos para cada um. Além disso, fizemos uma festinha anual, para comemorar o aniversário de todos, com direito a bolo feito pelos voluntários, docinhos, salgadinhos, refrigerante, chapeuzinho (algo que eles nunca tiveram na vida). Ah, o parabéns cantado em inglês, português e criollo.











Conseguimos comprar uma televisão e uma bicicleta para eles dividirem. Em Porto Príncipe há cerca de duas horas de energia elétrica por dia (mas não avisam o horário e alguns dias ela não aparece). Também conseguimos o dinheiro para que fosse consertado o poço que estava com problema.



Crianças sendo pesadas e vermifugadas

A horta

Um dos trabalhos mais legais que fizemos nesse orfanato foi a construção de uma horta. Por ironia do destino, encontramos o americano Taylor em uma loja de produtos para jardinagem. Ele tem um projeto chamado Haiti Communitere em que ele desenvolve diversos trabalhos sustentáveis. Em uma conversa dentro da loja, ele conheceu nosso projeto e resolveu ajudar. Financiou alguns materiais e passou dois dias trabalhando com a gente no orfanato.


Fomos conhecer o projeto do Taylos, que é sencaional

Voluntários, as crianças e a equipe do Taylor depois que a horta foi concluída

Passamos alguns dias trabalhando em conjunto: eles, nós e as crianças, limpando, plantando, regando, pintando pneus, um trabalho cansativo, mas que literalmente rendeu bons frutos. 

Em uma reunião dada pelo Taylor as crianças aprenderam a cuidar do que foi construído e alguns meses depois recebemos fotos de legumes e verduras nascendo na hortinha. Muita emoção! Ninguém aparece na nossa vida por acaso e espero que essa horta continue sendo cuidada com todo amor e carinho e que possa alimentar essas crianças que tanto necessitam.
















Foto enviada pela corrdenadora depois alguns meses que mostra as frutas e legumes nascendo na hortinha do orfanato

A difícil despedida do Haiti

Esse orfanato foi nosso último  local de trabalho na Ilha e logo partimos para Santo Domingo novamente. Cada despedida foi um choro e acho que cada voluntário deixou um pedacinho do coração por lá. Um país azarado, onde tudo acontece. Um país destruído, futuros destruídos. Mas, ali existe muito amor e muita beleza também. Existe muita gente do bem, muita história. A gente voltou porque nossa vida precisa seguir, mas não faltaram motivos pra ficar ao lado de cada criança que me abraçava como nunca ninguém fez.

Foi difícil a despedida e até hoje penso em cada um deles. Sempre digo que fui dar amor, mas recebi muito mais do que dei. Cheguei na minha casa no Brasil e passei muitos dias abalada. Parei de reclamar tanto e passei agradecer mais. Posso dizer que voltei do Haiti uma nova mulher. Obrigada, Haiti!



 A coordenadora do orfanato. Uma pessoa muito guerreira e especial

Gostaram do Post? Dúvidas de como seu um voluntário no Haiti? Deixem comentários, Beijinhos.








Confira também

0 comments