Guiana Inglesa, um país cheio de contradições

by - sexta-feira, junho 14, 2024

 Olá gente, tudo bem? Chegou o momento de compartilhar a última parte da minha viagem por terra para conhecer as Guianas e o Suriname. Hoje vou contar um pouquinho sobre a minha experiência (não tão boa) na Guiana Inglesa.


Antes de começar, convido vocês a lerem os dois posts anteriores: o da a Guiana Francesa e o do Suriname, para que possam entender melhor sobre como planejei toda essa viagem e conhecerem um pouquinho sobre esses países "quase esquecidos"que estão tão próximos do Brasil. 

Como comentei nos outros posts, passei mais de dois meses fazendo o roteiro dessa viagem e foi um dos mais difíceis da minha vida devido a falta de informação em sites, blogs, google. São destinos nada turísticos, principalmente pra quem mora, no sudeste/sul do país. Muitos de nós nem sabemos onde ficam esses países, que idiomas falam, etc. Por isso, estou aqui para compartilhar conhecimento e apoiar viajantes que planejam  se aventurar nesses países.

Para quem não sabe, morei um tempo em Roraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Fui Oficial de Participação Comunitária em um abrigo para venezuelanos. Roraima faz fronteira com a Guiana Inglesa, só que não consegui conhece-la naquela época porque a fronteira estava fechada por causa da pandemia do Covid 19.

Para chegar na Guiana Inglesa foi uma longa jornada. Eu estava na capital do Suriname (Paramaribo) e tive que pegar duas vans e uma balsa. As duas vans eram particulares (consegui através de brasileiros que me indicaram, já que não é possível comprar esses trajetos em sites ou em rodoviárias) e a balsa (bem estruturada) comprei na hora, por 20 dólares, um trajeto de mais ou menos 40 minutos.










Brasileiros não precisam de visto para entrarem na Guiana, mas me fizeram várias perguntas na imigração. Meu destino era GeorgeTown, a capital, e depois segui para a capital de Roraima (Boa Vista), onde passei alguns dias e depois peguei avião para São Paulo. Foi uma viagem por terra que começou no Amapá e terminou em Roraima.


Como comentei no primeiro post, essa viagem me permitiu "zerar"o Brasil (faltava somente o Amapá). Consegui também "zerar" a América do Sul, foi a realização de um grande sonho concretizado em grande estilo, através de uma viagem "bem raiz", simples, cheia de aventuras e aprendizados.

Antes de começar a contar e opinar sobre a Guiana Inglesa, gostaria de compartilhar com vocês um pouquinho sobre esse país e o que aprendi sobre ele enquanto estive por lá.

UM POUCO SOBRE A GUIANA INGLESA


A Guiana está localizada totalmente ao norte da linha do Equador. Faz fronteira com o Brasil, Suriname e Venezuela. Já na porção norte e nordeste, o país faz limite com o Oceano Atlântico. O país está na mesma parte do continente que outros grandes territórios como o Brasil, o Chile e a Argentina, o que explica, em parte, porque este pequeno país passa quase despercebido na América do Sul. 

A Guiana é um dos países onde está a floresta amazônica – e é uma importante fonte de petróleo, minérios (como o ouro) e pedras preciosas, afirma um artigo da Agência Brasil. Essequibo, por exemplo, é uma das regiões guianense notórias por isso.

Independente apenas a partir do ano de 1966, quando deixou de ser dominada pelos britânicos, essa parte do território sul-americano possui características bastante peculiares. 

A Guiana é um país de planície no litoral que também é a área agrícola local e onde se encontra 90% de sua população. Já o interior do país é mais selvagem e é onde estão suas florestas, bem como uma grande região de montanhas e savanas. A população é de pouco mais de 800 mil habitantes e uma forte mistura cultural que une os povos originários, descendentes de africanos e a herança dos colonizadores britânicos e holandeses. 

Algumas curiosidades:

1. A Guiana é o único país de língua inglesa da América do Sul. Isso porque foi ocupado pelo Reino Unido em 1796 até sua independência, em meados do século 20. Outra prova da presença dominante do inglês como língua local é o nome da capital do país – Georgetown – e da moeda usada, o dólar (da Guiana). Ainda assim, outros idiomas também estão presentes, como ​o crioulo, o hindi, o urdu, entre diversas línguas de origem indígena;




2. A Guiana tem a Cachoeira de Kaieteur, considerada a maior de queda única do mundo com 226 metros. Não visitei, mas imagino que seja bem bacana;

3. A maior parte dos guianenses descende da Ásia;

4. O nome Guiana foi dado ao país pelos povos originários que habitavam a região antes da chegada dos europeus. O significado da palavra é “terra da água”, em virtude da abundância de recursos naturais encontrados por lá;

5. Só na capital Georgetown vivem 5 mil brasileiros;

6. A maioria dos brasileiros que vivem na Guiana Inglesa é garimpeiro. Existem atualmente cerca de 10 mil brasileiros que vivem na Guiana;

8. A malária deixa o turismo na Floresta Amazônica mais arriscado;

9. Boa parte do interior é inacessível porque faltam estradas;

10. A Guiana, assim como o Suriname, pertencem ao CARICOM - Comunidade do Caribe ou Comunidade das Caraíbas, um bloco de cooperação econômica e política criado em 1973 para alavancar os países que foram colônias europeias para suprir as necessidades e acelerar o processo de desenvolvimento econômico dos países. O bloco, formado por 15 países e 5 territórios da região caribenha, tem um acordo de livre comércio, fazendo fluir a economia, produtos, serviços, agricultura, indústria e política estrangeira entre eles;

10. A regra de trânsito é mão inglesa, ou seja, o motorista dirige do lado direito.

Um país rico em petróleo

Três quartos do território da Guiana são cobertos por floresta tropical, o que a torna um país rico em recursos naturais. Sua principal fonte econômica depende da exportação de produtos básicos como açúcar, ouro, bauxita e arroz.

Embora seja um país com altas taxas de pobreza, a Guiana passou por uma rápida transformação com a descoberta de petróleo na costa da região de Essequibo, em 2015 .

O país está prestes a ultrapassar a produção de petróleo da Venezuela, que depende há muito tempo das suas próprias reservas, e está no caminho para se tornar o maior produtor de petróleo per capita do mundo.

A descoberta de petróleo transformou a Guiana no país mais rico da América do Sul. O PIB cresceu 63%, em 2022, e continua crescendo. Mas a bonança ainda não chegou à maioria da população. O índice de desenvolvimento humano (IDH) é pior que o de Paraguai e Equador.

O QUE CONHECI EM GEORGETOWN E AS MINHAS IMPRESSÕES

Só tinha dois dias para ficar no país e ainda precisava seguir viagem. Treze dias viajando, estava exausta. Na Guiana Inglesa o calor era insuportável também, assim como na Guiana Francesa e no Suriname. Por essas e outras razões decidi ficar só na capital GeorgeTown. Fiz exatamente tudo caminhando, mesmo sendo uma tortura. Sempre com sombrinha, boné e protetor solar, mas chegava a dar falta de ar, parecia que eu estava no inferno (rs).


Fiquei hospedada perto do centro e infelizmente o meu quarto não tinha ar condicionado e o ventilador não vencia a batalha. Era bem localizado, mas não ficaria novamente. Bem precário...foi recomendação de um colega já que tudo na Guiana Inglesa é bem caro.

Alguns países que visitei nessa jornada de viajante não tenho vontade de voltar, como por exemplo a Sérvia e a Guatemala. Ah, incluo a Guiana Inglesa nessa lista (rs). Georgetown literalmente não ganhou meu coração. E não é por causa da pobreza, se fosse isso o Haiti não seria um dos meus destinos preferidos. Não viajo (como a maioria) pensando apenas em conforto, me hospedar em resorts e fazer selfies, viajo pra viver culturas e quando escolho os  meus destinos sei o que vou enfrentar, inclusive o cansaço, a falta de conforto e a simplicidade. Não é um problema pra mim. Mas, o lugar tem que ganhar meu coração de alguma maneira, seja pela gentileza das pessoas, pela causa a qual estou indo ajudar, pela comida, pelo baixo custo de vida, ou por alguma outra coisa ou situação. E, não foi o que aconteceu.

Ah, que fique bem claro que eu não me arrependo em nenhum momento de ter ido. A Sérvia, por exemplo, é um país que não gostei também, mas adorei estar ali para entender a história e os porquês de muitas questões que tinha na minha mente. Independente de qualquer coisa adquiri conhecimento. 

Sempre temos que tirar algo de bom de todas as nossas experiências. Nada é em vão. A Guiana Inglesa era uma vontade antiga, pra mim foi muito legal poder estar lá para entender sobre os mistérios desse país tão pouco notado. 

Algumas coisas não gostei e fazem toda diferença pra mim (fora o calor quase impossível de aguentar):
  • De maneira geral, tudo no país é muito caro! Um verdadeiro absurdo. No começo achei que estava convertendo errado, mas era caro mesmo. Exemplos:  Uma pizza 4500 GYD (=R$110,00), por pedaços de frango, estilo KFC, 3900 GYD (= R$ 96,00 ).  O custo de vida é desproporcional ao nível do salário mínimo pago aos trabalhadores; em média o salário é de 65000 GYD (= R$ 1600,00), porém com os preços dos produtos oferecidos, caríssimos, é impossível viver bem. Queria comprar um picolé de fruta no mercado e quando vi que era 35 reais, desisti. O brócolis estava custando entre 30/35 reais cada um. Um açaí em um restaurante brasileiro era 72 reais. Uma marmita sem carne com feijão e arroz 62! Praticamente jejuei na Guiana Inglesa, achei um roubo (rs). Os hotéis também são caríssimos!
  • Os homens definitivamente não têm respeito pelas mulheres. Todas as vezes que pisei pra fora do hotel fui assediada com gritos, homens me seguindo, fazendo piadas (e gritando), me abordando com palavras nojentas. Não é uma maneira "aceitável", é super abusiva, atitudes e vocabulário inaceitáveis. Não foi uma e nem dez vezes, foi o tempo todo, me parece realmente uma questão cultural. Tinham me alertado e confirmei tudo.
  • A população, no geral, não é receptiva e gentil. Não tratam bem os turistas, são grossos e objetivos demais. Em nenhum momento me senti acolhida, nem mesmo em um atendimento no mercado ou no próprio hotel que me hospedei. Inclusive brasileiros, a maioria grossos e que querem extorquir os turistas a qualquer custo.
  • Georgetown é uma cidade literalmente entregue ao caos, onde parece que não há nenhuma presença de Estado, apesar de tanto petróleo. Comércio, favela, vala de esgoto, plantação de cana, cabras passeando pelas ruas, tudo misturado em meio ao ambiente urbano. O trânsito é maluco e não há uma rua da cidade onde não há uma vala de esgoto passando, inclusive na avenida principal da cidade. É puro lixo, fede, tem restaurante na beira do esgoto, é algo que fica difícil de explicar. Zero beleza. Zero higiene. O país estava passando por um surto de dengue e eu fiquei morrendo de medo de caminhar nessas ruas podres. Um dos motivos pelo qual fiquei menos tempo na rua foi o medo da dengue.







A gente acha que entende de pobreza porque vive no Brasil, porque vemos pobreza e tal, mas quando você chega na Guiana você aprende que tudo sempre pode piorar. A aparente ausência de estado, o “salve-se quem puder” no meio das ruas, tudo isso pode até ter em uma cidade de fronteira do Brasil ou em cidades do interior mais pobres, mas na Guiana Inglesa é na capital do país, algo raro de se ver!

Ah, para vocês terem uma ideia, Georgetown é uma cidade litorânea, porém a praia foi o de mais sujo e horripilante que pude presenciar e não vi ninguém corajoso o bastante para pular na água enquanto estive andando na orla. É muito triste ver essa situação, mas é a realidade. Eu espero de verdade que os governantes comecem a investir o dinheiro do petróleo para melhorar as condições de vida da população em todos os aspectos.

Enfim, como eu disse no começo, procuro tirar algo de bom em tudo o que eu faço e não é porque não gostei da cidade que vou deixar de compartilhar alguns lugares que dá pra conhecer.

Para começar, vale ressaltar que Georgetown foi fundada em 1781, com este nome, porém foi tomada pelos holandeses três anos mais tarde, mudando o nome para Stabroek (nome do atual Mercado Público). Foi rebatizada em 1812, quando os britânicos ocuparam a colônia durante as Guerras Napoleônicas. 

A cidade foi destruída em dois grandes incêndios (1945 e 1951) e como a maior parte de suas edificações é feita de madeira, no melhor estilo vitoriano, muito foi perdido, porém ainda existem muitas construções em madeira, a exemplo da St. George's Cathedral (Catedral de São Jorge), que é um dos pontos turísticos da cidade.

Há alguns outros locais pra se visitar, como a St. Andrew's Kirk (presbiteriana de 1818), City Hall, Parliament Building e The High Court (onde está uma estátua da Rainha Vitória). Não consegui ir em todos pelas razões mencionadas acima (rs), mas pode ser uma opção para quem está na cidade e quer explorar um pouco mais do que eu.

Visitei o Stabroek Market que é um Mercado Central. Eu adoro mercados. No caso desse, é bem agitado, cheio e bastante sujo, além de parecer um pouco perigoso. Nesse mercado encontramos de tudo, desde vegetais, até roupas e ouro. Dá pra encontrar algumas coisinhas a preços mais acessíveis do que no resto da cidade, mas continua sendo caro. Apesar do caos, foi o lugarzinho que mais "me diverti" nessa parte da minha viagem. 







Vale lembrar que bem pertinho está a torre com quatro relógios, que é bem famosa
Não achei muito bacana, mas é turística.

Para comprar lembrancinhas foi bem complicadinho, só achei em uma feirinha de artesanatos na rua (próxima ao centro) e era tudo bem carinho.






Não saí na pra curtir a noite. Além de muito cansada, não senti vontade alguma (rs). No outro dia fui embora às quatro da tarde. O trajeto de GeorgeTown para a fronteira do Brasil (ainda do lado da Guiana) foi o mais caro de toda a minha viagem. Me senti assaltada, foram 388 reais. O transporte era van particular que consegui por indicação do dono do hotel onde eu  fiquei hospedada. Esse trajeto só é feito através dessas vans e tudo mais ou menos com esse mesmo preço. Enfim, não tive opção.



Para chegar em Boa Vista foi uma longa jornada. Longa mesmo! Uma viagem de van que começou às quatro da tarde e terminou às 11 da manhã. Uma estrada que na maioria do tempo era de terra, cheia de buracos e toda escura. Não sei como o motorista aguenta dirigir tanto tempo e em uma estrada dessas. 

Fizemos obrigatoriamente uma parada para descansar porque a balsa só abria às seis da manhã. Essa parada foi no meio da estrada, em uma mata, em um terreno cheio de redes.

As opções eram: pagar uma quantia e usar uma rede ou ficar dentro da van. Preferi ficar no carro, mas foi um caos. Não dava pra abrir a janela porque os mosquitos comiam a gente e com a janela fechada o calor era insuportável (rs). Fora o barulho, a luz. Ou seja, não dormi. 


No caminho passamos por diversas "blitz", postos policiais. Alguns tivemos que descer a apresentar passaporte, assinar cadernos e em um deles vi o motorista dando uma propina para um policial. Me disseram que os policiais na Guiana Inglesa são muito corruptos, que exploram os motoristas de transporte, que são uma verdadeira máfia. Todos os passageiros (maioria brasileiros) já estavam cansados de descer e subir da van. Fomos orientados a não darmos dinheiro aos policiais caso eles pedisse.



Nessa viagem conheci algumas brasileiras que trabalham no garimpo e fiquei impressionada com as histórias loucas e assustadoras desse mundo que eu conhecia apenas nas notícias que via na TV. Por isso que eu digo que não existe nada melhor do que explorar esse mundão.

Enfim, quando a balsa abriu conseguimos fazer a travessia. Ela estava caindo aos pedaços, de madeira, dava um medo absurdo. Nunca tinha pego uma balsa nesse estado deplorável. Foram alguns minutos tenso, mas foi rápido e deu tudo certo.






Viajamos mais quase duas horas de van e chegamos a Lethem, na fronteira de Roraima. Essa cidade se tornou um paraíso de compras para os brasileiros, com leis fiscais bem menos rígidas do que do outro lado da fronteira. Enquanto esperava o táxi para atravessar a fronteira (única maneira) consegui olhar algumas lojas e realmente é impressionante. Os preços são muito baixos e acabei fazendo algumas comprinhas (rs). A maioria das lojas são de chineses, eles estão em todas as partes do mundo. Para quem vive em Roraima vale a pena vir comprar nesse lugar.

Peguei um táxi compartilhado com mais dois brasileiros que tinham viajado comigo, pagamos 90 reais. 

O táxi esperou darmos a saída da Guiana e a entrada em Roraima, já na cidade de Bonfim. Dali nos levaram para Boa Vista, mais uma hora e meia de viagem. Finalmente no Brasil depois de duas semanas. Salva. Fiquei em Boa Vista por três dias e pude rever amigos, visitar alguns lugares que gosto muito e finalizar a viagem em grande estilo. 



Espero que tenham gostado. Esse foi o terceiro e último post sobre a realização de mais um pequeno sonho. Que venham os próximos. Grande beijo!















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