Transnístria, o país que não existe

by - sexta-feira, junho 14, 2024

 Oi, gente! Hoje o post será sobre um destino digamos, exótico. Vou compartilhar minha visita à Transnístria, uma região separatista pró-Rússia da Moldávia, na fronteira com a Ucrânia, onde as tensões têm se elevado desde o início da guerra da Ucrânia com a Rússia, em fevereiro de 2022. 

 Realmente é diferente de tudo o que já vi na minha "vida de viajante". 

Quando morei na Áustria para trabalhar com refugiados ucranianos (em abril de 2023), realizei algumas atividades na Moldávia também, e aproveitei um dia de folga (no final de maio) para conhecer a Transnístria, já que é possível ir de maneira terrestre, no caso de Van. Li bastante sobre essa região e achei que era interessante demais pra deixar "passar batido". Tive que ir porque sabia que não voltaria naquele lugar tão cedo.

Mas, antes de contar como foi a minha experiência, preciso explicar um pouquinho sobre esse território, para que vocês entendam pelo menos o básico e desperte a mesma curiosidade e indignação que foram despertados em mim quando li, preparei o roteiro e vivenciei tudo isso.

COMO SURGIU A TRANSNÍSTRIA


Do fim da Segunda Guerra Mundial até o início da década de 90, a Moldávia foi parte do Império Soviético. Com o colapso da União Soviética, no início dos anos 90, a Moldávia tornou-se um país independente. Apesar disso, um grande conflito permaneceu no país uma vez que aqueles ao leste do rio Dniestr, a maioria dos quais era de ascendência russa e ucraniana, se declararou independente do resto da Moldávia por se sentirem mais aliada aos interesses russos. Devido a essa divergência houve uma breve guerra civil em 1992. Graças ao apoio do Exército Russo que estava baseado dentro da Transnístria, o resultado desta guerra foi a que a Transnístria conseguiu manter a sua independência do resto da Moldávia.

A Transnístria (também conhecida como Trans-Dniester ou Transdniestria e Pridnestróvia: (adaptação gráfica da forma russa) embora seja independente, tenha sua própria moeda, exército, instituições públicas e até mesmo passaporte, grande parte do mundo não tem ideia de que esse país exista. É um país autodeclarado, um estado separatista da Moldávia, mas que é reconhecido apenas por  regiões com disputas semelhantes, como a Abcásia, Nagorno-Karabakh e Ossétia do Sul.

Abaixo, a foto de um letreiro escrito Transnístria em Russo. 

Por incrível que pareça, Moscou não reconhece oficialmente a independência da Transnístria, no entanto, a Rússia mantém relações especiais com a região nas esferas política, militar, cultural e económica. A Moldávia e a Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa consideram a Transnístria uma parte da Moldávia ocupada pela Rússia. Alguns analistas e estudiosos afirmam que uma anexação russa da Transnístria é improvável. A Rússia não a reconhece como um país independente.

Ao contrário de tantos países da região que derrubaram os monumentos aos heróis da revolução russa, uma estátua de Lenin continua intacta em frente ao Parlamento, em Tiraspol, capital do país. Na Transnistria, o muro de Berlim continua de pé e a União Soviética só morreu em seu coração, no deles não. A bandeira do país é a única que ainda ostenta a velha foice e o martelo.

                 COMO ENTRAR NA TRANSNÍSTRIA


As normas de permanência na Transnistria não são claras, mas tinha pesquisado bastante e consegui encontrar a informação de que Europeus não precisam de visto para passar a fronteira. Como eu tenho passaporte europeu, foi esse que usei. Acredito que os brasileiros possam entrar sem visto também. Pesquisei, mas não tenho 100% de certeza.

Contudo, só é possível ficar no país legalmente durante dez horas. Se quiser ficar mais tempo, tem que passar no departamento de imigração, em Tiraspol, para pedir um visto de permanência. Por essa razão, saí bem cedo de Chisinau (capital da Moldávia) para poder chegar em Tiraspol e aproveitar pra conhecer tudo o que eu tinha planejado. 

Peguei uma Van na Estação Central de ônibus em Chisinau, que fica a 10 minutos a pé da Praça da Catedral. Paguei 36,5 Leu moldávio (US$ 2,70) pela passagem de ida. Normalmente há vans entre as duas capitais a cada 1 hora. A viagem demora um pouco mais de 1 hora, uma vez que a van vai pegando passageiros ao longo da estrada. Não esqueça de levar o mesmo passaporte usado para entrar na Moldávia!





Após passar pela imigração e dar saída da Moldávia passei pela imigração da Transnístria. Disseram que eu ia ver soldados russos, tanques, etc, mas não tinha nada disso. Tudo bem tranquilo e vazio. Me fizeram algumas perguntas básicas e deram um papelzinho com o horário da entrada (não pode perder esse papel de jeito nenhum). Eles não carimbam o passaporte.

Depois de passar pela imigração, continuamos o trajeto. É melhor ir até o ponto final que é a estação de trem e “ônibus” e descer por lá, assim você saberá onde pegar a van pra voltar para Chisinau. É uma caminhada uns 15 minutos até chegar ao centro e à avenida principal onde estão todos os grandes monumentos. 

Passei um grande perrengue porque quando cheguei no ponto final a rodoviária estava fechada, era domingo (mesmo assim achei que estaria aberta). Não tinha wifi (fiquei sem internet) pra poder usar o Google Maps pra ir até o centro e a casa de câmbio da rodoviária também estava fechada. Ou seja, me lasquei. O lugar estava completamente vazio e ninguém falava inglês. Que sufoco.

A solução que encontrei for ir caminhando meio que sem rumo (estava muito calor) até encontrar um táxi. Por sorte encontrei um (as ruas estavam bem vazias) e negociei com ele. O taxista me levou em uma casa de câmbio aberta (pra poder pagar a corrida e trocar um pouco de dinheiro pra poder passear) e depois me deixou no centro (consegui wifi na praça principal). Passei um perrengue porque o cara não falava inglês (somente russo) e queria cobrar "o olho da cara", mas deu tudo certo no final. Que sorte a minha.









Enfim, diferentemente da Moldávia, a língua predominante na região é o russo, mas dizem que há pessoas que falam romeno e ucraniano também (eu não vi). Tudo o que eu via na rua, mercados e lojas estava escrito em russo.






DICAS IMPORTANTES E MINHAS IMPRESSÕES 

Dá pra fazer tudo caminhando! As ruas da cidade inteira são limpíssimas, bastante vazias, cheias de flores e jardins. Realmente é um outro país porque não parece nadinha com a Moldávia.









Em algumas partes parece um deserto, sem muitas pessoas, lojas e menos carros que você esperaria em uma grande avenida central. Me disseram que teria que tomar cuidado para tirar fotos, mas em nenhum momento avistei qualquer segurança ou agentes policiais, foi bem tranquilo. Mesmo assim, sempre dava uma olhadinha e tirei poucas fotos minhas, melhor evitar problemas.




Tenho que reconhecer que fiquei com um leve medinho na imigração da Moldávia na volta. Imagina se pegam o meu celular e encontram várias fotos lindas minhas, inclusive com a bandeira da Transnístria? Estaria lascada, penso eu. Mas, como sou "macaca velha" coloquei as fotos na lixeira do celular pra evitar problemas. 

Uma curiosidade é que basicamente todos os moradores da Transnístria (cerca de 530 mil) tem dupla cidadania, geralmente da Rússia, Moldávia ou Ucrânia, caso contrário seriam apátridas, uma vez que o passaporte da Transnístria não é reconhecido em canto nenhum.

Dá pra perceber que um país nessa situação só consegue sobreviver porque tem o apoio econômico e militar de outro, nesse caso da Rússia. Era bem visível que todos os produtos e marcas são russas, inclusive os mercados. Ah, e é claro que eu não poderia deixar de entrar em um e conferir os produtos "diferentões" e escritos em russo. Adoro! Aliás, encontrei alguns produtos americanos também (como a Coca Cola), achei que não encontraria.








Não saio de nenhum país sem um souvenir. E, claro que não ia "sossegar" enquanto não encontrasse um lugar que vendesse algo, mesmo no domingo que estava tudo fechado. Rodei, rodei e achei duas papelarias que vendiam umas lembrancinhas e estavam abertas. Achei umas bandeirinhas, uns imãs de geladeira, todos exaltando o comunismo, com mensagens lindas sobre o Putin, com falas do Putin escritas, bandeiras da Rússia, etc. Comprei, claro. Independente da minha posição política é algo único e pra ser guardado para a vida toda. Detalhe, viajei com tudo escondido dentro da minha calça por medo da imigração da Moldávia.








O QUE CONSEGUI VISITAR

1- Igreja da Apresentação do Menino Jesus 

Achei por acaso enquanto caminhava do centro para a rodoviária. Assim como as demais igrejas ortodoxas espalhadas pelo mundo, não tem estátuas de santos, somente belas pinturas nas paredes e no teto. Não são permitidas fotos na parte de dentro dela.




2- Prefeitura e Monumento a Lenin



Também fica próxima da praça principal da cidade, e bem na frente dela tem uma imagem do Lenin. Para quem não conhece,  ele foi um revolucionário comunista, político e teórico político russo que serviu como chefe de governo da Rússia Soviética de 1917 a 1924 e da União Soviética de 1922, até sua morte.

Após a queda do comunismo os símbolos e estátuas dos líderes comunistas foram destruídos ou retirados de seus pedestais. Mas, na Transnístria eles se mantêm, como símbolo de orgulho da cidade – e do “país”.



3- Praça Suvorov/ Monumento de Suvorov



É a principal praça da cidade, grande, limpa, linda e tem wifi gratuito. Me salvou. Com o calor que estava fazendo tinha muita gente caminhando, comendo em barquinhas ao ar livre, sentadas nos bancos conversando, crianças correndo e cantores amadores mostrando seus talentos. Um lugar lindo e limpo. Nessa mesma praça há a bandeira da Rússia e de outras regiões que apoiam a Transnístria, além do Monumento de Suvorov.











Alexander Suvorov é um dos maiores comandantes da história russa. Entre suas façanhas, está a libertação desta região da opressão turca e a fundação da cidade de Tiraspol.



Alexander Suvorov é um dos maiores comandantes da história russa. Entre suas façanhas, está a libertação desta região da opressão turca e a fundação da cidade de Tiraspol.

4- Memorial of Glory

Do outro lado da rua (bem em frente a praça) tem o Memorial da Glória, que foi construído na década de 70 e todas as organizações, empresas e instituições de ensino de Tiraspol participaram do processo de construção. Foi tão popular que as construtoras fizeram até um sorteio para ver quem teria o direito de ser o responsável pela obra. O Memorial é dedicado à memória daqueles que morreram durante a Grande Guerra Patriótica, na Guerra Soviética do Afeganistão e na Guerra da Transnístria, em 1992.










5- Parlamento da Transnístria

Bem pertinho das outras atrações encontramos o Parlamento, e na frente dele a estátua do Lênin.

Há outros pontos turísticos, como a Kvint Factor, que desde 1897 produz alguns dos melhores conhaques do mundo.

Tiraspol possui muitas vinícolas e adegas. Mas, não tinha tempo para isso. Estava interessada em conhecer o dia a dia da população e a verdadeira relação desse lugar com o comunismo. E, consegui muito bem, inclusive fiquei surpresa, assustada e tive a certeza que é realmente um outro mundo. 



Esqueci de comentar que não faltam ruas com nomes de figuras comunistas ou datas importantes da era soviética. Por ali o comunismo não acabou.

UMA CURIOSIDADE

A Transnístria também é conhecida por abrigar o maior arsenal da Guerra Fria: um depósito com cerca de 20 mil toneladas de armas e munições. Embora alguns digam que uma explosão pudesse gerar uma detonação equivalente à da bomba de Hiroshima, outros especialistas apontam que isso é improvável, pois se trata de armas antigas e fora de uso.

O depósito de armas de Kolbasna, localizado perto da fronteira com a Ucrânia, foi erguido na década de 1940, quando a Moldávia ainda fazia parte da União Soviética. Com o fim da Guerra Fria, se tornou o local onde foram armazenadas as armas que as forças soviéticas trouxeram quando se retiraram da Alemanha Oriental, Tchecoslováquia e outros países do antigo bloco comunista.

Em uma cúpula da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), realizada em 1999 em Istambul, Moscou concordou em retirar parte das munições e armas que mantinha na Transnístria. Entre 2000 e 2004, a Rússia retirou caminhões inteiros de armas e munições do depósito de Kolbasna, onde se estimava que existiam cerca de 40 mil toneladas de armas. Esse processo, no entanto, foi paralisado pela decisão das autoridades da Transnístria e não pôde ser reativado.

Em setembro de 2021, no seu discurso anual à Assembleia Geral da ONU, a presidente moldava reiterou o seu apelo pela retirada das tropas russas da Transnístria e pela eliminação de armas e munições armazenadas em Kolbasna. Mas, Moscou não permite que outras forças assumam responsabilidade pela eliminação das armas ou pela manutenção da paz na região.

DE VOLTA PRA CASA

A última van volta para Chisinau por volta das 18:30. Como eu estava com medo de perder o transporte e ficar presa nesse lugar tão estranho/exótico/inexplicável (rs), saí de lá em torno das 16h30. A passagem foi paga ao motorista, como na ida. A imigração da Moldávia foi bem tranquila, muito melhor do que imaginava.

Para deixar a Transnístria, eles só pedem aquele papelzinho com o horário da entrada, Foi bem rápido.

Enfim, foi muito legal ter feito esse passeio, se não tivesse ido me arrependeria. Se dependesse dos meus amigos da Moldávia eu não teria ido porque todos diziam que era perigoso, assustador, que eu poderia morrer, etc. 

Provavelmente diziam isso porque o ódio entre esses povos infelizmente é a realidade atual. Creio também que muitos deles são convencidos pela mídia e pelo governo que esse território é sinônimo de morte. No passado já foi e no futuro pode ser de novo, talvez.  Na minha van  foram várias pessoas de Chisinau (que vivem na cidade) para Tiraspol e não presenciei nenhum problema. Não sei quais são as regras e os acordos entre eles.

A questão é que para estrangeiros, pelo menos nesse momento, não é nada perigoso, inclusive tem se tornado um lugar turístico. Peguei uns flyers em Chisinau de agências que oferecem Tours para Tiraspol (também não imagino quais são as regras e acordos). Enfim, tudo confuso, mas uma experiência que poucos viajantes têm e super recomendo. Nunca tinha visto nada igual.

Espero que tenham gostado. Sei que muitos de vocês não conheciam esse "país que não existe" e com esse post conseguiram adquirir um pouco de conhecimento e interesse por essa região. Um beijo e até a próxima!


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